A NECESSIDADE DE FAZER ESCOLHAS

Já Bela Guttman dizia em 1962: “senor, futbol português não ter cu para doiss cadeirras…”.
O mago húngaro falava a propósito da perda do título nacional para o Sporting, poucas semanas depois de a equipa de José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna e Simões ter conquistado categoricamente em Amsterdão a sua segunda Taça dos Campeões Europeus, levando de vencida por 5-3 o poderoso Real Madrid de Di Stéfano, Puskas e Gento.
Os tempos foram mudando, mas há verdades que permanecem eternas. Não é muito frequente ainda hoje, uma equipa vencer uma prova europeia e sagrar-se no mesmo ano campeão nacional do seu país.
Nos últimos vinte anos disputaram-se 53 competições europeias (20 ligas dos campeões, 20 uefas e 13 taças das taças). Apenas 11 destas 53 provas foram ganhas por campeões nacionais dos respectivos países, ou seja, 42 vencedores de provas europeias, entre os quais vários campeões europeus, não conseguiram triunfar nas suas batalhas domésticas.
As razões para isto são fáceis de entender. A partir de um dado momento, na eventualidade de poder lutar por uma taça europeia com tudo o que isso acarreta de prestígio e dinheiro, os clubes acabam por aligeirar a sua atitude competitiva interna – quer por uma questão estratégica, quer por aspectos psicossomáticos relacionados com a motivação dos jogadores, que obviamente preferem sempre a competição capaz de lhes oferecer mais visibilidade.
Muitas vezes, fazendo jus ao ditado “quem tudo quer tudo perde”, clubes há que, apostando em vários cavalos ao mesmo tempo, acabam por se não sentar em nenhum deles, lançando o desânimo e a depressão entre os seus adeptos. Assim de repente vem-me à cabeça o sensacional Sporting de José Peseiro, que tudo perdeu na última semana da época, quando se a sua aposta se tivesse centrado apenas numa das provas em que estava envolvido, as hipóteses de êxito teriam sido seguramente bem maiores. Muitos outros exemplos haveria, tanto num como noutro sentido. A excepção tem sido mesmo o domínio simultâneo de frentes internas e externas, e quando isso acontece – lembremo-nos do F.C.Porto de José Mourinho – quase sempre se deve a um precoce adiantar na tabela classificativa nacional, capaz de permitir uma almofada pontual que resista ao desgaste físico e anímico das últimas semanas de prova, através, por exemplo, de uma bem calculada poupança de jogadores nucleares.
Tudo isto vem a propósito naturalmente do momento do Benfica, quando os seus adeptos sonham com a conquista do título e da Taça Uefa - ou pelo menos uma boa prestação, que passa por chegar, quem sabe, às meias-finais.
Sejamos realistas. O Benfica não tem plantel para as duas competições, nem está em condições de gerir seja o que for em termos nacionais – aquilo que podia gerir já geriu, e era a eliminação da Taça de Portugal.
Um onze com Quim, Nelson, Luisão, Anderson, Léo, Petit, Katsouranis, Rui Costa, Simão, Miccoli e Nuno Gomes é de grande categoria e é inquestionavelmente o melhor onze do nosso país, sendo capaz de se bater dignamente em qualquer competição internacional. Mas o Benfica, mais Derlei ou Karagounis, fica-se por aí. Todos os restantes jogadores do plantel estão em patamares qualitativos muito abaixo destes 13 elementos, pelo que é completamente impossível pensar em qualquer tipo de rotatividade – tomara antes que não existam mais lesões…
Assim sendo, os encarnados vão ter, mais cedo ou mais tarde, de fazer uma opção sobre aquilo que querem desta época: desafiar o F.C.Porto na luta pelo título nacional (4 pontos sempre são 4 pontos), ou apostar todas as fichas numa competição europeia que nunca venceram, onde vão aparecendo ainda adversários acessíveis, que atribui generosos e preciosos pontos para o ranking europeu - de países mas também de clubes, o que redobra significado na hora dos sorteios – e que em caso de vitória seria naturalmente capaz de fazer o mundo benfiquista reviver a gloriosa década de sessenta, algo que na Liga dos Campeões, a menos que todo o edifício estrutural do futebol europeu venha abaixo, dificilmente se repetirá nos anos (décadas ?) mais próximos.
A questão que se põe por agora é a de definir com exactidão o momento em que essa opção terá de ser feita.
Esperando obviamente que o Benfica consiga ultrapassar o PSG e não derrape no campeonato até lá, esse momento deverá ser o do jogo com o F.C.Porto. Se o Benfica, vencendo o F.C.Porto, passar nesse dia para a frente da classificação – única forma de depender de si próprio a sete jornadas do fim – julgo que não deverá desviar mais a atenção de um campeonato que nesse momento passará a ser um pássaro poisado na sua mão. Caso o Benfica nesse mesmo dia não esteja no comando da prova nacional e continue na batalha europeia, sabendo-se então já com exactidão que adversários poderá encontrar até à final – que Deus nos livre do Sevilha e do Werder Bremen…-, penso ser de voltar todas as agulhas para a Uefa, e procurar aí fazer tudo para poder escrever em Glasgow mais uma página dourada no seu brilhante historial europeu.
Lutar até ao fim nas duas frentes, com toda a franqueza (e frieza) não creio ser possível.
Para já importa chegar ao início de Abril em condições de efectuar essa opção. É portanto necessário ultrapassar o PSG e vencer os três jogos (Aves, Leiria na Luz e Reboleira) de campeonato que faltam até receber o F.C.Porto na Luz, esperando que este perca pelo menos dois pontinhos até lá (lembre-se que recebe Braga e Sporting e viaja até aos Barreiros).

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