JOGOS PARA A ETERNIDADE (5) - Benfica-Altay Izmir / 1980

Perdoem-me o pendor autobiográfico mas hoje irei falar de um jogo absolutamente banal na história do futebol e na história do Benfica, contudo deveras marcante para mim próprio e para a minha vivência clubista. Tratou-se da primeira vez que vi a equipa principal do Benfica jogar, e logo no Estádio da Luz e para as competições europeias.
Estávamos no dia 4 de Setembro de 1980, tinha LF dez anos de idade. O Benfica disputava a segunda mão de uma pré-eliminatória da já extinta Taça dos Vencedores das Taças frente à equipa turca do Altay Izmir, da qual pouco ou nada se voltou a ouvir falar. No jogo da primeira mão na Turquia dera-se uma igualdade a zero. Consegui com alguma dificuldade convencer o meu pai a levar-me ao jogo, depois de bastante insistência - o que era frequente por esses anos e estará possivelmente na causa da minha "febre" de estádios a partir do momento em que passei a depender exclusivamente da minha própria vontade. Lembro-me perfeitamente de andar nessa tarde vagueando pela Avenida Guerra Junqueiro com o meu pai, esperando a minha mãe que fazia compras, e aguardar com enorme ansiedade pela hora do jogo que para mim constituía quase o realizar de um sonho - ver aquelas camisolas vermelhas entrar em campo, à noite, em pleno Estádio da Luz, perante o clamor das bancadas cheias. As histórias que o meu pai contava de tempos remotos em que via frequentemente o Benfica – quer já na Luz, quer ainda no Campo Grande -, e que eu ouvia desde a mais tenra infância, aguçavam-me fortemente o apetite de poder também eu um dia presenciar as venturas e desventuras do clube que já então ocupava de forma avassaladora o meu coração. Chegados às imediações do estádio, o meu pai comprou-me uma pequena bandeira que ainda tenho religiosamente guardada. E entrei. Ainda iriam passar alguns anos até que Fernando Martins avançasse com o fecho do “terceiro anel”. Nessa altura o estádio levava 75 mil pessoas, e nessa noite deviam lá estar umas sessenta mil, número habitual em qualquer jogo naquela altura, sobretudo nas competições internacionais. Fiquei na bancada lateral do lado oposto ao terceiro anel, o que significa que o tinha mesmo pela frente. Estava aproximadamente no enfiamento da linha de fundo do lado sul.
Não consigo descrever por palavras o impacto visual que me causou ver o estádio praticamente cheio e todo iluminado, e os jogadores a entrarem em campo, as camisolas berrantes e a verdura da relva. São imagens que perduraram na minha memória como se de um sonho se tratasse. Eu nem acreditava que estava ali, justamente naquele local que povoava a minha imaginação, e que eu estava habituado a ver apenas em fotografias a preto e branco dos jornais. O Benfica alinhou com Bento, Bastos Lopes, Humberto, Laranjeira, Pietra, Carlos Manuel, Alves, Shéu, Chalana, Nené e César, e na segunda parte entrariam Vital e Frederico. O treinador era o já falecido húngaro Lajos Baroti, que conquistaria a dobradinha dessa temporada.
Do Altay só me lembro que equipava com camisola branca e calção preto, e tinha um avançado chamado Mustafá-qualquer-coisa. Chalana marcou o primeiro golo num remate rasteiro à entrada da área, iam decorridos vinte e dois minutos de jogo, e à beira do intervalo foi Humberto de cabeça na sequência de um canto a fazer o 2-0. Na segunda parte mais dois golos de Nené e César respectivamente, quase tirados a papel químico um do outro, ambos em remates em jeito desferidos aproximadamente da marca de penálti. Todos estes foram naturalmente momentos de grande euforia para mim, mas mesmo que tivesse sido apenas 1-0, só o facto de estar alí já me enchia de felicidade. O meu pai, para evitar o trânsito e com o resultado feito, quis sair quando ainda faltavam alguns minutos para os noventa. Saí um pouco contrariado pois era difícil desligar os meus olhos de todo aquele deslumbrante espectáculo. Resultado final : 4-0 e passagem assegurada à eliminatória seguinte. Foi uma estreia perfeita, qual guião de um filme com final feliz. Foi fantástico também ler os jornais do dia seguinte, e poder ver as mesmas fotos de sempre - hoje pouco olho para as fotografias, mas naquela altura contemplava-as avidamente e até por vezes as recortava -, mas com uma diferença extraordinariamente significativa, desta vez eu tinha lá estado! O Benfica faria uma excelente carreira na Taça das Taças desse ano, chegando às meias finais onde baqueou perante os alemães de leste do Carl Zeiss Jena, depois de eliminar Dínamo de Zagreb, Malmoe e Fortuna Dusseldorf. Três anos depois teria uma experiência ainda mais marcante quando aos 13 anos, após um treino, passei um bom bocado praticamente dentro dos balneários da Luz a recolher autógrafos e a falar com quase todos os jogadores do plantel benfiquista, de Chalana a Diamantino, de Nené a Bento, passando por Eriksson, Toni e Eusébio.
Que saudades...

2 comentários:

LOM disse...

A primeira assistência no Estádio da Luz é sempre muito marcante e inesquecível.

Anónimo disse...

Esqueci-me de referir por curiosidade que o bilhete era amarelo e com o número a picotado.
Guardei-o durante anos.