ENSAIO SOBRE A HOSTILIDADE

Ontem, ainda no calor de mais uma derrota, deixei aqui expressa a minha mágoa por verificar insistentemente que os adversários do Benfica no plano nacional, sejam quem forem, denotam invariavelmente um tónico motivacional amplamente acrescido e um zelo competitivo sem paralelo, ao contrário do que sucede quando têm pela frente Sporting e sobretudo F.C.Porto.
Hoje, já mais a frio, voltei a reflectir sobre esta questão que não sendo nova se vai tornando, a meu ver, cada vez menos compreensível. Pior que isso, o clube da Luz persiste em dar mostras de não saber lidar adequadamente com ela.
Observemos por exemplo o que acontece quando o F.C.Porto (também, em menor grau, o Sporting), campeão nacional em 3 das últimas 4 épocas, e em 14 das últimas 22, para além das várias vitórias internacionais, se desloca à generalidade dos estádios da Liga Portuguesa. Invariavelmente depara-se com não mais de meia casa (frequentemente à segunda feira ou ao domingo à noite), da qual aliás uma parte significativa corresponde a Super Dragões e afins, e não passa pela cabeça de ninguém esperar que os adeptos contrários passem todo o tempo a vociferar impropérios para com o clube e seus jogadores, mesmo se o presidente é arguido num processo de corrupção desportiva e procede à afirmação do clube por via da arrogância e do cinismo. Por outro lado, a equipa adversária parece invariavelmente intimidada, sendo paradigmático o caso dos jogadores emprestados pelo próprio clube portista que, com raríssimas excepções, quase aparentam medo de afrontar a casa mãe. O resultado de tudo isto resume-se a vitórias fáceis, com ou sem auto-golos, mas invariavelmente sem a tensão a que um jogo fora de casa de uma equipa campeã obrigaria, em qualquer ponto do globo onde se jogue futebol. Sei do que estou a falar, pois já assisti a diversos jogos do F.C.Porto em Setúbal, Restelo ou Amadora (excluindo naturalmente Luz e Alvalade), imaginando o que acontece mais a norte onde, por maioria de razão, o ambiente será provavelmente ainda mais hospitaleiro.
E o Benfica ?
Os encarnados, onde quer que se desloquem, para além da numerosa falange de apoio que os acompanha, deparam com estádios a fervilhar de tensão e mesmo ódio para com as suas cores, com constantes cânticos insultuosos de adeptos contrários que parecem passar todo o ano a preparar aquele momento, mas sobretudo com jogadores motivadíssimos, exprimindo em combatividade, dureza e organização, uma atitude competitiva que não se vislumbra em mais nenhuns jogos da nossa Liga, quaisquer que sejam os protagonistas. Os jogadores emprestados pelo clube da Luz, procuram natural e justamente aproveitar esses momentos para mostrar potencialidades que os possam fazer regressar (e isto é que é normal). Os erros de arbitragem a favor dos benfiquistas são objecto de veementes indignações de jogadores e adeptos adversários, incrementando também dessa forma a sua maior exploração mediática, ao contrário do que acontece quando por exemplo o F.C.Porto é beneficiado (veja-se ainda ontem). Isto acontece desde há vários anos, mesmo nas dez temporadas em que o Benfica passou ao lado dos títulos e na maioria das quais as suas candidaturas não resistiam ao Natal.
Para além de tudo isto – ou em parte também na sua génese -, a pressão mediática em torno dos encarnados não tem paralelo, adicionando constantemente um gigantesco peso sobre os ombros dos jogadores, crucificando-os quando cometem erros, ou deles fazendo galácticas vedetas sempre que dois jogos seguidos lhes correm bem.
Ora o Benfica, institucional e culturalmente, não se tem preparado para contrariar estes circunstancialismos, deixando-se quase sempre envolver e fragilizar por eles, perdendo jogos e pontos nos locais em que vê os seus principais adversários encontrar autênticas passadeiras de vassalagem, onde arquitectam de modo triunfal as suas vitórias e títulos.
Nada disto pressupõe acusações de corrupção ou favorecimento. Embora as suspeitas existam (nomeadamente e desde há muito no caso dos jogadores), não é por aí que quero entrar. Trata-se, e isso parece-me factual, de um estado de alma da nação lusitana que faz com que o Benfica seja, mesmo quando não é ganhador, um clube tremenda e profundamente odiado em toda a parcela do país que nele não se revê, ao contrário de outros que, com muito menos adeptos, são objecto de uma quase indiferença (ou reverência) por onde se deslocam.
A pergunta que se impõe é: como lidar com isto ?
A resposta não é fácil pois afastando as nuvens sobre eventuais actos de corrupção ligados a esta situação teremos que concluir que se trata de algo tão arreigado na cultura desportiva do nosso país como, no outro lado da moeda, também o é a popularidade que faz do clube encarnado o maior do mundo em número de sócios.
O que o Benfica terá que fazer é preparar-se institucional e desportivamente para poder extrair de toda a animosidade que enfrenta, a força mental e motivacional que lhe permita reverter o clima de tensão a seu favor. Isso passa desde logo, para além de um maior esforço de mentalização, por uma política de contratações orientada genericamente para padrões competitivos hostis. Por outras palavras, de nada serve ao Benfica reunir o maior número de internacionais "A" pelos seus países no seu plantel, se estes não forem, talentosos ou não, jogadores de “faca na liga”, preparados para uma guerra com trinta batalhas e para sair com os três pontos envoltos em "sangue suor e lágrimas", dos terrenos onde enfrentam autênticas legiões combatentes empenhados em deixar ali mesmo a vida se tal for necessário para impedir as odiadas águias de triunfar.
Este Benfica, tão artístico quanto macio, não tem decididamente essa natureza, motivo pelo qual muito dificilmente se poderá sagrar campeão nacional mesmo tendo (ninguém me afasta deste ponto de vista) o melhor plantel de entre os três grandes, com uma defesa de qualidade a nível europeu, um meio campo com várias soluções e quatro pontas de lança todos internacionais "A" pelos seus países.
O que é facto é que assim, dentro desta estranha mentalidade, ao contrário da bela Liga dos Campeões, os campeonatos nacionais começam a tornar-se enjoativos e cansativos.
Que me perdoem o desabafo.

11 comentários:

Anónimo disse...

Sinceramente acredito que por trás de todo esse empenho extra por parte das equipas ditas 'pequenas' quando enfrentam o Benfica em sua casa está também uma 'ajudazinha' monetária...eu próprio sei de casos em que na liga de honra e até a nível de 3ª divisão se faz isto quanto mais a nível de super liga...não são nenhuns santinhos que lá andam...enfim...por mais que se fale isto nunca irá servir de nada, a história vai-se sempre repetir!Mas é nestes encontros com estas equipas que o Benfica tem que mostrar o porquê de ser o maior de Portugal!Um abraço

Anónimo disse...

Lá que é estranho é...

Anónimo disse...

LF não sei se acompanhas muito a 3ª Divisão, mas como deves de saber o ano passado o Lusitano (meu clube) esteve á beira da subida e só não subiu por 4 escassos golos...no entanto houve um jogo que me despertou á atenção..o Lusitano VRSA - M essinense (equipa que viria a subir de divisão) em que o resultado final foi uma derrota pesada para o Lusitano VRSA....e como todos sabem o Lusitano VRSA causa sempre muitas dificuldades a quem lá vai..é um campo tradicionalmente dificil..chela lá o Messinense e dá-lhes 4?esquisito...o dinheiro fala sempre mais alto...

Anónimo disse...

Conheço muitas histórias desse género.
O problema é que são tremendamente difíceis de provar.
De qualquer modo o que eu quís dizer tinha mais a ver com uma mentalidade anti-benfica do que propriamente com corrupção. A primeira é um facto, a segunda uma mera suspeita.
O Benfica para ser campeão tem de ser muito melhor do que os outros, nomeadamente do que o F.C.Porto, que já conquistou muitos títulos com planteis medíocres.

Anónimo disse...

Conheço muitas histórias desse género.
O problema é que são tremendamente difíceis de provar.
De qualquer modo o que eu quís dizer tinha mais a ver com uma mentalidade anti-benfica do que propriamente com corrupção. A primeira é um facto, a segunda uma mera suspeita.
O Benfica para ser campeão tem de ser muito melhor do que os outros, nomeadamente do que o F.C.Porto, que já conquistou muitos títulos com planteis medíocres.

LOM disse...

Antes de mais, parabéns pelo excelente texto.
Quero dizer que estou totalmente de acordo com o que escreveu, e penso que este texto traduzirá de uma maneira geral o pensamento de qualquer Benfiquista.
Infelizmente, como adeptos, não podemos fazer muito para resolver esta situação. Resta-nos esperar que as decisões dos responsáveis do clube sejam as mais adequadas.

Anónimo disse...

é que, contra porto e sporting, as equipas preocupam-se em segurar o jogo, se possível empatar.
contra o benfica acreditam que podem vencer e fazem por isso.
é duro um benfiquista ouvir isto, mas é a verdade...

Anónimo disse...

não eras tu que dizias num post anterior que o benfica fez uma exibição miserável?
então, no que é que ficamos?
se não puxarem pelo cabedal, até parece que as outras equipas jogam muito...

Anónimo disse...

O Benfica fez de facto uma exibição miserável.
O que também é verdade é que o Braga jogou infinitamente melhor com o Benfica do que havia feito com o Sporting, onde além dos dois auto-golos que marcou, praticamente nada lutou.

É algo que já vi suceder com muitas outras equipas, notando claramente diferenças quando defrontam o Porto e o Benfica.

Depois há todo o ódio que os adeptos de todos os clubes destinam ao Benfica, há uma comunicação social hostil (com excepção de "A Bola")

Anónimo disse...

Reafirmo que não estou a acusar ninguém de corrupção.
Acho que antes do mais se trata de um estado de alma.
Quem no mundo do futebol não é Benfiquista, é quase sempre profunda e radicalmente anti-benfiquista, seja qual for o clube do seu coração.

O que estranho é que o Benfica ainda seja o alvo a abater por todos, quando o campeão é o F.C.Porto, e tem-o sido na maioria das últimas épocas.
Não tem lógica.

Paulo Santos disse...

Subscrevo totalmente este excelente post.